Uma campanha publicitária da Havaianas colocou a atriz Fernanda Torres no centro de uma intensa polêmica nas redes sociais e reacendeu o debate sobre os limites entre publicidade, posicionamento institucional e disputa ideológica no Brasil. O vídeo, divulgado nos perfis oficiais da marca e pensado para marcar a virada do ano, acabou gerando forte reação de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que acusaram a empresa de transmitir uma mensagem política velada e passaram a defender um boicote aos produtos.
A controvérsia ganhou grandes proporções após a interpretação, por parte de grupos conservadores, de que o conteúdo representaria uma provocação indireta a valores tradicionalmente defendidos por esse segmento. A insatisfação se espalhou rapidamente, impulsionada pela hashtag #HavaianasNoLixo, que alcançou alto engajamento e reuniu milhares de publicações com críticas contundentes à marca e à atriz.
Em diversas postagens, usuários convocaram consumidores a abandonar a empresa como forma de protesto. “Que lixo o que fez a Havaianas”, escreveu um internauta, defendendo que os produtos fossem descartados publicamente. Em outra publicação amplamente compartilhada, a campanha foi classificada como inadequada em um período pré-eleitoral. “Essa marca está se politizando. Não use”, afirmou o autor da postagem, em tom de reprovação.
Entre os principais articuladores do movimento de boicote esteve o influenciador digital Thiago Asmar, conhecido como Pilhado. Com grande alcance nas redes, ele publicou vídeos convocando seguidores a deixar de consumir os produtos da Havaianas, ampliando a visibilidade do protesto e fortalecendo a mobilização virtual contra a empresa. As publicações foram replicadas por perfis alinhados ao bolsonarismo, contribuindo para a escalada da controvérsia.
No centro do debate está o conteúdo do vídeo publicitário, protagonizado por Fernanda Torres. Logo na abertura, a atriz surpreende ao afirmar: “Desculpa, mas eu não quero que você comece 2026 com o pé direito”. A partir dessa frase, o roteiro propõe uma reflexão que se afasta da ideia de sorte ou superstição e aposta em uma mensagem de atitude e protagonismo individual. “O que eu desejo é que você comece o ano novo com os dois pés”, diz a atriz, antes de completar com expressões de tom motivacional: “Os dois pés na porta, os dois pés na estrada, os dois pés na jaca, os dois pés onde você quiser”.
Apesar do caráter metafórico e inspiracional, o discurso foi apropriado politicamente por parte do público, que enxergou na peça uma tentativa de engajamento ideológico. A reação expôs como mensagens publicitárias abertas à interpretação podem ganhar significados distintos em um ambiente digital marcado por forte polarização.
Fernanda Torres, que recentemente voltou a ocupar os holofotes internacionais após ser lembrada pela indicação ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme Ainda Estou Aqui, tornou-se alvo direto das críticas. Comentários nas redes extrapolaram o conteúdo da campanha e passaram a atingir sua imagem pública e trajetória artística, evidenciando o grau de personalização dos ataques no debate virtual.
Diante da repercussão negativa e da escalada das críticas, a Havaianas decidiu retirar o vídeo do ar neste domingo (21). A empresa, no entanto, não divulgou comunicado oficial detalhando os motivos da remoção. Mesmo assim, o debate seguiu ativo nas redes sociais, com apoiadores e críticos da campanha discutindo liberdade de expressão, responsabilidade das marcas e o impacto de posicionamentos explícitos ou não no consumo.
O episódio evidencia os desafios enfrentados por grandes empresas ao se comunicarem em um cenário político e social altamente sensível. Campanhas publicitárias com mensagens amplas, que buscam dialogar com diferentes públicos, podem rapidamente ser capturadas por disputas ideológicas e se transformar em focos de controvérsia, com reflexos diretos na reputação das marcas e na relação com os consumidores.
Mais do que um embate isolado, o caso da Havaianas reforça como a polarização política no país tem ultrapassado o campo institucional e alcançado o cotidiano, a cultura e o mercado, transformando ações de marketing em arenas de confronto simbólico e ideológico.





