Um estudo realizado pela The Lancet Commission prevê que os casos de câncer de próstata devem dobrar de 1,4 milhão por ano, em 2020, para 2,9 milhões por ano até 2040, principalmente nos países de baixa e média renda. Diante desses dados preocupantes, como reverter esse cenário, especialmente em relação ao alto número de notificações de diagnóstico tardio?
O urologista e responsável pelo Serviço de Urologia do HU-UFJF/Ebserh, Humberto Lopes, comenta que as campanhas de Novembro Azul são um movimento focado em conscientizar os homens sobre a importância do diagnóstico precoce de doenças, especialmente o câncer de próstata. O especialista explica que o câncer de próstata é causado por um crescimento anormal das células prostáticas, que se dividem de forma desordenada e mais rápida que o normal. Em cerca de 10% dos casos, esse tipo de câncer está ligado a mutações genéticas hereditárias. Nos demais, ele surge ao longo da vida devido a mutações adquiridas, influenciadas por hábitos e estilos de vida do paciente.
Na fase inicial, o urologista complementa, “o câncer de próstata geralmente é assintomático, e muitos homens que procuram o urologista não apresentam sintomas específicos. A hiperplasia benigna da próstata, uma condição que afeta cerca de 80% dos casos de doenças prostáticas, é um crescimento anômalo benigno das células da próstata e pode causar dificuldades ao urinar, como jato urinário fraco e a sensação constante de querer urinar”, explica. Já em uma fase mais avançada do câncer, ele pode apresentar dificuldade de urinar, e nos casos muito avançados, podem gerar metástases. Neste momento, os pacientes ter dor óssea, emagrecimento, cansaço e sangramento pela urina.
Diagnóstico inclui série de exames
Em relação ao diagnóstico do câncer de próstata, o médico informa que começa com uma avaliação clínica completa, em que o urologista investiga o histórico de saúde do paciente, incluindo antecedentes familiares de câncer. O exame físico inclui o toque retal, que permite ao médico avaliar o tamanho e a textura da próstata, e identificar a presença de possíveis nódulos. Esse exame é fundamental para o diagnóstico precoce.
Além do toque, o PSA (antígeno prostático específico), dosado no sangue, é uma ferramenta importante. O nível normal de PSA é geralmente até 2,5 ng/mL, mas a variação entre exames é o que chama a atenção do especialista para possíveis anormalidades. Se o PSA está elevado ou alterado ao longo do tempo, o urologista pode considerar a necessidade de uma biópsia para confirmar o diagnóstico. A ressonância magnética tem reduzido a necessidade de biópsias.
O médico complementa que, em cerca de 30% dos casos, a ressonância ajuda a evitar biópsias desnecessárias, um grande avanço comparado a décadas passadas. Apesar de ainda ter custo elevado e não estar disponível em toda a rede pública, é uma tecnologia cada vez mais acessível e usada, como no Hospital Universitário de Juiz de Fora, onde já é oferecida.
Tratamento varia de acordo com a agressividade do caso
A escolha do tratamento para o câncer depende do grau de agressividade do tumor. Para tumores menores, com baixa agressividade e baixos níveis de PSA, a vigilância ativa é uma opção. Nesse caso, o paciente é monitorado periodicamente, com exames de PSA, sem a necessidade de tratamento imediato, o que permite evitar procedimentos invasivos.
Outra opção é a radioterapia, indicada para cerca de 20% dos casos e eficaz para muitos pacientes. Contudo, uma das intervenções mais comuns hoje em dia é a prostatectomia radical, que consiste na remoção completa da próstata e, em alguns casos, dos linfonodos próximos. Essa cirurgia oferece altas taxas de cura, especialmente quando realizada com técnica avançada, que minimiza complicações.
Humberto compartilha que, nos últimos anos, a cirurgia robótica tem transformado o cenário da prostatectomia. “Com uma visão 3D ampliada e movimentos precisos, o sistema robótico permite ao cirurgião preservar melhor as estruturas ao redor da próstata. Isso resulta em melhores resultados funcionais, como a preservação da função erétil e da continência urinária, além de uma recuperação mais rápida e eficaz do ponto de vista oncológico”, explica.
Cuidado não interfere na masculinidade
No contexto do Novembro Azul, é essencial que a orientação sobre a saúde masculina envolva uma abordagem ampla e multidisciplinar. A colaboração entre urologistas, enfermeiros, assistentes sociais e outras áreas da saúde é fundamental para conscientizar os homens sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce, especialmente em relação ao câncer de próstata. Apesar do tabu que ainda persiste sobre o exame de toque, é importante relembrar que ele é rápido, simples e crucial para a detecção precoce da doença, com recomendações para realizá-lo a partir dos 50 anos ou aos 45 anos, caso haja histórico familiar de câncer.
O professor de Antropologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Raphael Bispo, acrescenta que, ao longo da vida, os homens são ensinados a não se preocuparem com sua saúde, já que são vistos como corpos “indestrutíveis” pela sociedade. “A ideia de virilidade impede que se percebam como vulneráveis, e só buscam ajuda médica em situações extremas. Desde a infância, os meninos aprendem que não podem demonstrar fraqueza, o que reforça a negligência com a saúde”, afirma.
Por isso, a educação básica e campanhas como o Novembro Azul são essenciais para mudar essa mentalidade. A sensibilização para o autocuidado, longe da visão de fragilidade, pode ser decisiva para melhorar a saúde dos homens e prevenir doenças.
*Estagiária sob supervisão da editora Júlia Pessôa